Evolução dos preços das casas nas principais cidades portuguesas: uma análise profunda

Evolução dos preços das casas nas principais cidades portuguesas
A evolução dos preços das casas nas principais cidades portuguesas não se resume apenas a uma análise numérica dos valores de transação ao longo dos anos. Trata-se, antes, de um fenómeno complexo, que combina um conjunto de dimensões sociais, económicas, políticas, turísticas e até culturais.
A dinâmica do mercado imobiliário em Portugal, desde o início do século XXI até à atualidade, reflete as transformações estruturais do país, a crescente exposição a fluxos internacionais de capital, a alteração de padrões de consumo e a forma como se reconfiguram as cidades perante novas realidades.
Neste artigo, propomo-nos oferecer uma análise aprofundada, com base em fontes estatísticas disponíveis, estudos de mercado e dados históricos, para compreender a trajetória dos preços habitacionais em cidades como Lisboa, Porto, Faro, Coimbra, Braga, Setúbal e outras localidades de relevância regional.
Procuraremos entender quais os principais vetores que conduziram às alterações do mercado, desde a adesão ao euro e a globalização dos mercados financeiros até ao impacto do turismo, do investimento estrangeiro, das políticas públicas de habitação, do crédito imobiliário, da crise financeira de 2008, da recente pandemia de covid-19 e dos programas nacionais como o “golden visa”.
O objetivo é traçar um quadro global, coerente e informativo, de modo a proporcionar ao leitor especializado — seja investigador, profissional do setor imobiliário, decisor político ou simplesmente um interessado informado — insights valiosos que permitam interpretar o passado, compreender o presente e antecipar futuros cenários no mercado de habitação em Portugal.
Contexto histórico e fatores macroeconómicos
A evolução dos preços das casas em Portugal não pode ser entendida sem um olhar atento sobre o contexto macroeconómico. Na viragem do milénio, o país encontrava-se plenamente integrado na União Europeia, tendo adotado o euro em 1999 (circulação efetiva em 2002). Esta integração monetária trouxe estabilidade cambial e uma maior acessibilidade ao crédito, permitindo às famílias endividarem-se a custos relativamente baixos.
Durante a primeira década do século XXI, o mercado imobiliário português beneficiou de uma conjuntura de juros baixos, relativa estabilidade económica e uma procura habitacional sólida. Embora os preços não tivessem subidas tão abruptas como em outras capitais europeias, Lisboa e Porto apresentaram uma tendência de valorização moderada e consistente.
Contudo, em 2008, a crise financeira global que emergiu do setor imobiliário norte-americano (subprime) e se propagou aos mercados internacionais alterou profundamente o cenário. Portugal, já pressionado por problemas estruturais na economia, viu o acesso ao crédito hipotecário tornar-se mais restritivo. A contração do mercado, o aumento do desemprego e a quebra do consumo interno refletiram-se numa estagnação, e até redução, dos preços das casas entre 2008 e 2013. A austeridade, com a entrada da troika em 2011, trouxe novos desafios ao mercado habitacional.
A partir de 2014-2015, começou a verificar-se uma recuperação consistente, em parte devido à retoma económica europeia, ao aumento do turismo, à implementação de programas de incentivo ao investimento estrangeiro em imóveis (como o golden visa), à redução das taxas de juro e à crescente atração por Portugal como destino de lifestyle. Ao longo dos anos seguintes, assistiu-se a uma escalada de preços, principalmente em Lisboa e no Porto, que se generalizaria, ainda que a ritmos diferentes, a outras cidades.
Em suma, a história recente dos preços das casas em Portugal é marcada por ciclos de expansão, contração e recuperação, fortemente influenciados pelas condições económicas internas e externas, pela facilidade de acesso ao crédito, pela procura turística e por programas estatais de incentivo ao investimento estrangeiro.
Dados e fontes de informação
A análise detalhada da evolução dos preços das habitações em Portugal exige o recurso a diversas fontes de informação. Entre as mais confiáveis, destaca-se o Instituto Nacional de Estatística (INE), que recolhe dados sobre valores de vendas, rendas e índices de preços de habitação. Existem também relatórios especializados de consultoras imobiliárias, estudos académicos e publicações periódicas de instituições financeiras.
Outros repositórios de informação, como a Confidencial Imobiliário, disponibilizam estatísticas detalhadas sobre preços por metro quadrado, valores de arrendamento, composição do parque habitacional e perfis de compradores. A nível internacional, entidades como o Eurostat ou o Banco Central Europeu permitem comparar a evolução dos preços em Portugal com a de outros países, contribuindo assim para um entendimento mais global da realidade.
Para além das fontes estatísticas, as imobiliárias, plataformas de venda online e associações do setor, como a APEMIP (Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal), fornecem dados qualitativos sobre a procura e oferta, o perfil dos compradores, as dinâmicas de mercado local e as preferências dos investidores.
A dinâmica do mercado nas principais cidades portuguesas
Cada cidade portuguesa apresenta a sua própria realidade imobiliária. Lisboa e Porto, por serem centros urbanos de maior dimensão, polos económicos e culturais, têm liderado a valorização imobiliária na última década. Já Faro, beneficiando do turismo algarvio, tem registado incrementos significativos, ainda que pontuais, e um perfil de mercado mais sazonal.
Cidades como Coimbra, Braga ou Setúbal apresentam uma dinâmica mais moderada, refletindo a estrutura da procura local, o papel universitário (no caso de Coimbra), industrial (no caso de Setúbal) ou tecnológico (no caso de Braga), e a menor pressão turística face às duas principais metrópoles do país.
A análise comparativa entre estas cidades permite perceber até que ponto fatores como a localização, a conetividade de transportes, a oferta cultural, a qualidade de vida, a proximidade de infraestruturas (escolas, hospitais, equipamentos sociais) e a atratividade turística e económica influenciam o valor dos imóveis.
Lisboa: a capital e o epicentro da escalada de preços
A cidade de Lisboa é um caso paradigmático. Durante décadas, Lisboa assistiu a uma tendência de saída da população residente do seu centro histórico para as periferias, reflexo de um modelo de desenvolvimento urbano concentrado nos anos 70 e 80, e de uma melhoria nas acessibilidades rodoviárias. Durante os anos 90 e 2000, a cidade apresentou preços habitacionais relativamente estáveis, com uma procura mais orientada para habitação própria e um mercado de arrendamento pouco dinâmico.
No entanto, a partir de meados da década de 2010, Lisboa tornou-se um destino turístico de excelência, atraindo investidores internacionais, visitantes e residentes estrangeiros em busca de qualidade de vida, clima ameno, segurança, gastronomia e cultura. O aumento do turismo, potenciado por plataformas de alojamento local como o Airbnb, exercitou uma forte pressão sobre o mercado habitacional. Muitos proprietários optaram por converter habitações de arrendamento de longa duração em alojamento de curta duração, contribuindo para reduzir a oferta destinada a residentes permanentes e aumentar os preços.
Ao mesmo tempo, o programa de autorização de residência para investimento (golden visa) estimulou a aquisição de imóveis de valor elevado por parte de estrangeiros, fixando padrões de preços mais altos. Nesta fase, bairros históricos como Alfama, Mouraria, Graça, Santa Catarina, Bairro Alto, ou zonas nobres como a Lapa, Estrela e Príncipe Real, viram os seus preços disparar. A reabilitação urbana, incentivada por políticas estatais, transformou edifícios degradados em propriedades de alto valor.
Este processo acentuou-se até à chegada da pandemia de covid-19, altura em que a procura turística diminuiu temporariamente. Ainda assim, o valor dos imóveis em Lisboa resistiu, fruto da capacidade de atrair novos residentes estrangeiros, nómadas digitais e do regresso de parte do turismo em 2021 e 2022. A escassez de oferta habitacional para a classe média e jovem manteve-se, e apesar de algumas medidas públicas para conter a subida de preços, Lisboa continua a ser a cidade com os valores imobiliários mais elevados do país.
Porto: dinamismo económico, cultura e atração de investimento
O Porto, segunda maior cidade de Portugal, seguiu um percurso semelhante ao de Lisboa, embora com características próprias. Cidade histórica e cultural, com uma universidade reconhecida e uma indústria vinícola de excelência, o Porto beneficiou nos últimos anos de uma exposição internacional crescente. O turismo, em particular o europeu, descobriu os encantos desta cidade junto ao Douro, incentivando a abertura de novos hotéis, restaurantes e alojamentos locais.
Entre 2000 e 2010, os preços no Porto evoluíram a um ritmo moderado, acompanhando o ciclo económico nacional. Contudo, a partir de 2015, a cidade foi palco de um interesse renovado por parte de investidores estrangeiros, nomeadamente franceses, brasileiros, ingleses e mais tarde chineses, que viram no Porto uma alternativa mais acessível a Lisboa. Zonas centrais como a Baixa, Ribeira, Cedofeita ou o eixo Boavista-Foz experienciaram uma revalorização significativa. A reabilitação urbana, tal como em Lisboa, foi um fator crucial.
A diferença entre Porto e Lisboa reside, em parte, na dimensão do mercado e no perfil dos compradores. O Porto manteve preços mais acessíveis do que Lisboa, embora com fortes subidas percentuais. A cidade tornou-se também atrativa para empresas de base tecnológica, startups e centros de serviços partilhados, criando um mercado de arrendamento corporativo. Esta diversidade económica permitiu ao Porto resistir melhor a alguns choques, embora a pressão turística se tenha também manifestado com força.
Após a pandemia, o Porto retomou a trajetória de valorização. A aposta na qualidade de vida urbana, na melhoria das infraestruturas de transportes, a oferta cultural e gastronómica, e o interesse internacional mantêm a procura elevada. Assim, o Porto consolida-se como o segundo grande polo imobiliário de Portugal, com um mercado dinâmico e em crescimento.
Faro e o algarve: turismo, sazonalidade e elevado poder de compra estrangeiro
Faro, capital do Algarve, apresenta um perfil distinto. Embora não seja tão dinâmica economicamente como Lisboa ou Porto, Faro e toda a região algarvia beneficiam há décadas de um turismo internacional consolidado, oriundo especialmente do Reino Unido, Alemanha, Países Baixos e mais recentemente de outros mercados europeus. Este turismo sustenta um mercado imobiliário orientado para segundas habitações, casas de férias e, em alguns casos, a reforma de estrangeiros à procura de clima e qualidade de vida.
Entre 2000 e 2010, os preços na região do Algarve mantiveram-se relativamente estáveis, com oscilações sazonais. A crise de 2008 afetou o mercado, mas a recuperação foi mais célere face a outras regiões, devido à manutenção da procura turística. A partir de 2014, com a retoma económica europeia, a valorização dos imóveis no Algarve intensificou-se, sobretudo em zonas costeiras como Albufeira, Loulé, Lagos ou Tavira.
Em Faro, cidade universitária e ponto de entrada pelo Aeroporto Internacional, os preços refletiram este interesse estrangeiro. Embora não se tenha registado a mesma intensidade especulativa de Lisboa ou Porto, a pressão da procura internacional acabou por elevar o valor dos imóveis. A pandemia afetou temporariamente o turismo, mas a rápida recuperação do setor em 2021 e 2022, aliada à fidelização do turismo residencial, manteve os preços em alta. A dinâmica em Faro é fortemente marcada por fatores externos, em particular a estabilidade política e económica dos países emissores de turistas e residentes estrangeiros.
Coimbra: o efeito universitário e a procura consistente
Coimbra, cidade histórica e académica, com uma das mais antigas universidades da Europa, apresenta um mercado imobiliário diferente dos pólos turísticos mais fortes. A procura é marcada sobretudo por estudantes, professores, investigadores e profissionais ligados aos serviços públicos e privados. Embora o turismo cultural exista, não é tão expressivo quanto em Lisboa ou Porto, pelo que a pressão sobre os preços não foi tão intensa.
Entre 2000 e 2010, Coimbra apresentou uma evolução estável, com ligeiras subidas impulsionadas pela procura estudantil. A crise de 2008 teve impacto, mas o mercado coimbrão mostrou-se resiliente devido à procura contínua de alojamento por parte dos estudantes. As rendas e preços de venda mantiveram-se relativamente acessíveis, mantendo a cidade como um destino atrativo para quem procura habitação mais económica, mas ainda assim próxima dos grandes centros.
A partir de 2015, embora Coimbra tenha acompanhado a tendência nacional de recuperação, o incremento de preços não foi tão acentuado como em Lisboa ou Porto. A falta de uma pressão turística internacional e o menor interesse dos investidores estrangeiros mantiveram os valores dentro de limites mais equilibrados. A pandemia não teve um impacto tão forte no preço dos imóveis, embora o mercado de arrendamento estudantil tenha ressentido a redução temporária de estudantes presenciais. No entanto, com o retorno à normalidade, a cidade manteve a procura sólida, respaldada pela sua função académica, garantindo assim um mercado estável.

Braga: tecnologia, juventude e o crescimento do mercado imobiliário
Braga, no norte do país, é uma cidade jovem, com um perfil cada vez mais voltado para a inovação e tecnologia. A presença de empresas do setor tecnológico, centros de investigação e uma dinâmica empresarial crescente conferiu a Braga um estatuto de cidade emergente no panorama nacional. Embora não seja um polo turístico forte, a qualidade de vida, o custo de vida relativamente mais baixo e as oportunidades de emprego no setor tecnológico aumentaram a procura residencial.
Entre 2000 e 2010, os preços das casas em Braga mantiveram-se moderados, refletindo uma procura interna baseada sobretudo em famílias locais. A crise de 2008 afetou a construção e reduziu temporariamente as vendas, mas a cidade recuperou à medida que a economia nacional se estabilizou.
Na última década, com a expansão do setor tecnológico e a chegada de nómadas digitais, Braga beneficiou de um ligeiro aumento da procura internacional, ainda que muito abaixo dos níveis observados em Lisboa e Porto. Os preços subiram, mas de forma mais gradual. Além disso, a disponibilidade de terrenos e a construção de novos empreendimentos permitiu acompanhar a procura sem gerar um excesso de especulação. Braga é hoje uma cidade equilibrada, com preços ainda acessíveis face às duas grandes metrópoles, mas em trajetória ascendente, refletindo o dinamismo empresarial e a atratividade para uma população jovem e qualificada.
Setubal: industria, porto marítimo e expansão do mercado periférico
Setúbal, localizada a sul de Lisboa, conjuga a proximidade à capital com a sua própria dinâmica económica, assente na indústria, no porto marítimo e em serviços. Ao longo dos anos, a cidade beneficou da pressão crescente sobre Lisboa, tornando-se um destino alternativo para quem procura habitação a preços mais acessíveis, mas sem perder a proximidade à metrópole.
Entre 2000 e 2010, Setúbal apresentou valores habitacionais moderados, reflexo da menor pressão turística e de um mercado focado na população local. A crise de 2008 reduziu a procura, mas não de forma tão acentuada como nas cidades mais dependentes do crédito para investimento especulativo.
A partir de 2015, com a recuperação económica, Setúbal começou a sentir um ligeiro efeito de transbordo do mercado lisboeta. A escalada de preços na capital levou muitas famílias e investidores a procurarem alternativas nas cidades periféricas, incluindo Setúbal. Este fenómeno, aliado à melhoria das infraestruturas de transportes (ferrovia, autoestradas) e ao próprio desenvolvimento urbano, impulsionou os preços. Embora não ao nível de Lisboa ou Porto, Setúbal encontra-se hoje numa trajetória de valorização constante, refletindo a conetividade metropolitana e a sua relevância económica regional.
Fatores determinantes da evolução dos preços
Para compreender a evolução dos preços das casas nas principais cidades portuguesas, é necessário analisar os fatores determinantes. Entre eles destacam-se:
- Condições macroeconómicas e disponibilidade de crédito: Períodos de juros baixos e fácil acesso a financiamento hipotecário tendem a impulsionar a procura e a aumentar os preços. Por outro lado, crises económicas, aumento do desemprego e restrições de crédito pressionam os valores em baixa.
- Demografia: O envelhecimento da população, a migração interna e internacional e a formação de novos agregados familiares influenciam a procura por habitação. Em cidades universitárias, a dinâmica estudantil também interfere na evolução dos preços, sobretudo no mercado de arrendamento.
- Turismo: O aumento do turismo internacional, aliado à popularização do alojamento local, pressionou a oferta habitacional para residentes, impulsionando preços. Lisboa, Porto e o Algarve são exemplos claros deste fenómeno.
- Investimento estrangeiro: Programas como o golden visa e a atratividade de Portugal como destino de lifestyle têm levado investidores estrangeiros a adquirir imóveis, muitas vezes a preços superiores aos praticados no mercado interno, criando pressão sobre o mercado local.
- Reabilitação urbana e valorização do património: A recuperação de edifícios antigos em zonas históricas gera valor imobiliário adicional. Lisboa e Porto viveram um boom de reabilitação urbana, que elevou os preços em bairros antes degradados.
- Políticas públicas de habitação: Incentivos fiscais, programas de arrendamento acessível e medidas para conter a especulação podem influenciar a evolução dos preços. Contudo, as políticas implementadas nem sempre conseguem mitigar a pressão do mercado, sobretudo em cenários de forte procura internacional.
- Infraestruturas e qualidade de vida: A existência de transportes públicos eficientes, escolas, hospitais, áreas verdes, oferta cultural, segurança e qualidade ambiental impacta positivamente a procura, e consequentemente, o preço dos imóveis.
O impacto da pandemia de covid-19
A pandemia de covid-19 introduziu uma variável inesperada no mercado imobiliário. No primeiro semestre de 2020, a incerteza económica, a paralisação do turismo e as restrições de mobilidade levaram a uma contração temporária da procura. Muitos esperavam uma queda acentuada dos preços, mas tal não se verificou de forma generalizada.
Os preços mantiveram-se relativamente estáveis ou, em alguns casos, sofreram ligeiros ajustamentos. A redução das taxas de juro, a predisposição dos bancos para manter o crédito à habitação e o interesse continuado dos estrangeiros por Portugal, mesmo à distância, contribuíram para sustentar os valores.
Além disso, a pandemia reforçou a procura por habitações mais espaçosas, com varandas, terraços ou acesso a espaços verdes. Muitos citadinos passaram a valorizar habitações fora dos centros densos, levando a um ligeiro aumento da procura em áreas periféricas ou mesmo no interior do país. Embora este efeito não tenha invertido completamente a tendência de subida de preços em Lisboa e Porto, introduziu alguma diversificação na procura.
Com o regresso progressivo do turismo em 2021 e 2022, o mercado voltou a mostrar sinais de dinamismo. A pandemia, ao contrário do esperado, não travou a evolução dos preços; antes reorganizou prioridades e ampliou o leque geográfico da procura.
Arrendamento versus compra
A evolução dos preços de compra também se reflete no mercado de arrendamento. O aumento dos valores de venda, a pressão turística e a conversão de imóveis de arrendamento de longa duração em alojamento local criaram escassez na oferta de arrendamento acessível, sobretudo em Lisboa e Porto.
Isto levou a uma escalada das rendas, colocando pressão sobre os inquilinos, em particular jovens e famílias de rendimentos médios. Em contrapartida, o arrendamento tornou-se menos atrativo como alternativa à compra, uma vez que as rendas se aproximaram dos valores de prestação bancária de um crédito à habitação, quando este é acessível. Esta dinâmica criou um círculo vicioso: preços de compra elevados pressionam rendas em alta, dificultando a poupança para adquirir casa própria, perpetuando a dependência do arrendamento num contexto de rendas caras.
As políticas públicas implementadas para conter a subida das rendas e incentivar o arrendamento acessível tiveram resultados limitados face à força dos fatores de mercado. O crescimento do turismo e do investimento estrangeiro, bem como o défice estrutural de habitação a preços acessíveis nos grandes centros, mantiveram a tendência inflacionária.
O papel do golden visa e do investimento estrangeiro
O golden visa, implementado em 2012, foi um fator significativo na evolução dos preços das casas em Portugal. O programa oferecia autorizações de residência a estrangeiros que investissem no país, frequentemente através da aquisição de imóveis de valor mínimo estipulado. Isto atraiu capitais de países como China, Brasil, Rússia, Turquia e África do Sul.
Em consequência, certas zonas de Lisboa, Porto e do Algarve tornaram-se polos de investimento internacional, elevando os preços. O impacto foi particularmente notório em áreas históricas, reabilitadas para responder a uma procura disposta a pagar valores muito acima do poder de compra médio nacional. Mesmo após as alterações legislativas que restringiram o golden visa a zonas do interior, o impulso inicial já tinha marcado o mercado, dando notoriedade internacional a Portugal como destino de investimento imobiliário.
Para além do golden visa, a isenção fiscal para pensionistas estrangeiros (regime de residentes não habituais) e a imagem de Portugal como país seguro, ensolarado e culturalmente rico continuaram a atrair estrangeiros, mantendo a pressão sobre os preços, sobretudo nos centros urbanos mais cosmopolitas.
Oferta e construção nova
Um dos grandes desafios do mercado imobiliário português é a escassez de oferta, especialmente em segmentos de preço médio. A construção nova foi durante anos limitada, quer pela crise de 2008, que deixou o setor da construção em situação precária, quer por entraves burocráticos e planeamento urbano complexo.
Nos últimos anos, a reabilitação urbana ganhou destaque, mas nem sempre os projetos se destinaram à classe média. Muitos empreendimentos reabilitados foram orientados para o segmento de luxo ou turismo, reforçando a falta de oferta acessível.
A partir de 2018-2019, o aumento dos preços incentivou a construção nova, mas o ritmo de lançamento de novos empreendimentos não acompanhou a procura. Além disso, a subida dos custos de construção, escassez de mão de obra especializada e lentidão dos processos de licenciamento dificultaram a expansão da oferta. A resultante assimetria entre oferta e procura continuou a impulsionar os preços em alta.
A influência do mercado internacional e da globalização
Portugal não é um mercado isolado. A evolução dos preços das casas reflete também a posição do país num contexto global. Investidores internacionais consideram Portugal um destino atrativo, não apenas pelo clima e qualidade de vida, mas também pela estabilidade política, pertença à União Europeia, facilidade de deslocação dentro do espaço Schengen e regime fiscal favorável.
O fluxo de capitais internacionais tornou-se particularmente visível após a crise da dívida soberana, quando os preços dos imóveis em Portugal eram relativamente baixos face a outros destinos europeus. Ao longo da década de 2010, Portugal deixou de ser um mercado periférico para se tornar parte de rotas globais de investimento imobiliário. Isto teve benefícios, injetando liquidez no mercado, mas também custos, ao empurrar os preços para níveis inacessíveis a parte da população local.
Esta globalização do mercado imobiliário reforçou a dependência da economia portuguesa de fatores externos, como a estabilidade geopolítica, as taxas de juro internacionais, a saúde económica dos países emissores de turistas e investidores e as flutuações das moedas estrangeiras.
Tendências e perspectivas futuras
A questão que muitos se colocam é: qual o futuro da evolução dos preços das casas em Portugal? A resposta depende de múltiplas variáveis.
Por um lado, existem pressões para que os preços continuem a subir. O turismo, agora um pilar central da economia nacional, deverá manter-se forte, impulsionando mercados como Lisboa, Porto e Algarve. O interesse estrangeiro por Portugal, embora sujeito a flutuações, parece manter-se estável, garantindo um fluxo de capitais que continuará a pressionar o mercado. A procura interna, ainda que contida pela capacidade financeira das famílias portuguesas, permanece presente, sobretudo se as condições de crédito se mantiverem favoráveis.
Por outro lado, alguns sinais indicam um possível abrandamento. O encarecimento do crédito devido a potenciais subidas das taxas de juro no médio prazo, a saturação de alguns mercados turísticos, as políticas públicas destinadas a conter a especulação e a pressão social para disponibilizar habitação acessível podem moderar o ritmo de crescimento dos preços. Ainda assim, é pouco provável que haja uma correção brusca, a menos que surja uma nova crise económica ou geopolítica de grandes proporções.
A crescente procura por habitação sustentável, a emergência do teletrabalho que permite viver em cidades médias ou no interior, a digitalização do mercado imobiliário e o envelhecimento da população são fatores que influenciarão a configuração futura dos preços. A pressão sobre Lisboa e Porto poderá impulsionar a procura por cidades secundárias mais baratas, reduzindo a concentração do mercado.
Conclusão
A evolução dos preços das casas nas principais cidades portuguesas resulta de um conjunto dinâmico e complexo de fatores. Desde o contexto macroeconómico até à pressão turística, do investimento estrangeiro à falta de oferta habitacional a preços acessíveis, cada elemento contribuiu para moldar a paisagem atual do mercado imobiliário.
Lisboa e Porto, impulsionadas pelo turismo e pelo investimento estrangeiro, destacam-se como as cidades com maiores incrementos de preços. Faro e o Algarve beneficiam do turismo consolidado e do interesse internacional, enquanto Coimbra, Braga e Setúbal mantêm dinâmicas mais equilibradas, refletindo as suas estruturas económicas e sociais específicas.
O futuro do mercado imobiliário português depende da capacidade do país em encontrar um equilíbrio entre a atratividade internacional e as necessidades habitacionais da sua população. Políticas públicas eficazes, planeamento urbano inteligente, regulação do mercado de arrendamento e incentivos à construção nova acessível serão fundamentais para garantir a sustentabilidade deste mercado. Caso contrário, o risco é perpetuar um modelo em que a habitação se torna um bem escasso e caro, inacessível para muitos residentes, e excessivamente dependente de fluxos de capitais e visitantes internacionais.
A trajetória histórica dos últimos 20 anos demonstra que o mercado é resiliente e adaptável, reagindo a choques económicos, crises sanitárias e transformações sociais. O desafio atual passa por assegurar que o mercado imobiliário continue dinâmico e atrativo, mas sem sacrificar a coesão social, o bem-estar dos residentes e o direito à habitação condigna.